45% da população brasileira apresenta algum sintoma de DTM
SÃO CARLOS/SP - Um projeto apoiado pela FAPESP (CEPID-CEPOF), para tratamento de Disfunção Temporomandibular (DTM) e dor orofacial (DOF), com aplicação de Laser de baixa potência acoplado a terapia com ultrassom e terapia com vácuo, foi desenvolvido por pesquisadores do Grupo de Óptica do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), tendo sido publicados quatro artigos clínicos, sendo dois neste último mês de setembro de 2021.
A Disfunção Temporomandibular é considerada uma das dores orofaciais mais comuns, resultado de inflamação e dores que podem aparecer nos músculos da mastigação e na articulação temporomandibular (ATM) que liga a cabeça da mandíbula à base do crâneo. Normalmente, a DTM está associada a um apertamento dental noturno, usualmente conhecido como “bruxismo do sono”, podendo também surgir devido a pequenos traumatismos (pancadas) e vícios posturais, entre outras causas.
Segundo dados recentes, cerca de 45% da população brasileira apresenta sintomas relacionados com essa doença, cuja maior prevalência é em mulheres com idades entre os 20 e 50 anos de idade, sendo que 10% apresentam necessidade de tratamento.
Para o pesquisador do IFSC/USP, Vitor Hugo Panhóca, responsável por estas pesquisas, este novo tratamento, agora feito com duas metodologias inovadoras e distintas, vem na sequência de anteriores pesquisas feitas ao longo dos últimos cinco anos. “De fato, começamos a abordar esta nova metodologia de tratamento em 2015, com métodos aplicando laser e led, sendo que os estudos evoluíram para este novo tratamento feito com dois equipamentos distintos, mas cuja eficácia é semelhante - o laser de baixa potência acoplado a terapia com ultrassom ou terapia de vácuo. Estes equipamentos foram desenvolvidos pelo Laboratório de Apoio Tecnológico (LAT) do IFSC/USP sob a coordenação do Prof. Vanderlei Bagnato”.
O Prof. Dr. Vitor Hugo Panhóca, auxiliado pela Profª. Patricia Eriko Tamae e demais pesquisadores da equipe do Laboratório de Biofotônica, do IFSC USP, já realizaram o atendimento experimental em vários grupos de pacientes, cujos resultados demonstraram uma substancial redução de dor, a reabilitação da abertura da boca (extensão do maxilar) e, com isso, a recuperação de uma boa qualidade de vida nos pacientes portadores de DTM. Em um futuro próximo os pesquisadores irão organizar outros grupos compostos por um maior número de pacientes voluntários, no sentido de comprovar os resultados obtidos com estes procedimentos inovadores.
Confira, abaixo, os artigos publicados sobre este assunto
Treatment of temporomandibular disorder using synergistic laser and ultrasound application. Oral Health Dental Manag,
https://www.longdom.org/archive/ohdm-volume-17-issue-2-year-2018.html
Increased Oral Health-Related Quality of Life Postsynergistic Treatment with Ultrasound and Photobiomodulation Therapy
in Patients with Temporomandibular
Disorders. Photobiomodulation, photomedicine, and laser surgery
https://www.liebertpub.com/doi/abs/10.1089/photob.2019.4697
Synergistic effect of low-level laser and vacuum therapy on the temporomandibular disorder: two cases report. Laser Physics Letters
https://iopscience.iop.org/article/10.1088/1612-202X/ac20de/meta
Comparison of the Synergistic Effect of Vacuum Therapy or Ultrasound Associated with Low Power Laser Applied in Temporomandibular Disorders. Oral Health Dental Manag,
https://www.longdom.org/archive/ohdm-volume-20-issue-9-year-2021.html
Rui Sintra - Jornalista - IFSC/USP
Pesquisa está inserida em um projeto da EMBRAPII- Unidade do Instituto de Física de São Carlos
SÃO CARLOS/SP - Jovens pesquisadoras formadas pelo Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP) estão iniciando um projeto pertencente à EMBRAPII-Unidade do IFSC/USP, com a participação das empresas “Dermociencia”, empresa de cosmética sediada em nossa cidade, e a “AGTTEC”, empresa dedicada ao beneficiamento do café, localizada na cidade de Dois Córregos (SP), com a finalidade de tratar mulheres portadoras da designada Alopecia Androgenética - comumente conhecida como calvice.
A equipe técnico-científica é constituída pela Drª Alessandra Keiko Lima Fujita, doutora em ciências na área de Biofotônica pelo IFSC/USP e na área de disfunções capilares e pesquisadora responsável por este projeto de pesquisa, Drª Fernanda Carbinatto, farmacêutica e pós-doutoranda do IFSC/USP, e Patricia Kaori Shiraishi, terapeuta capilar especializada em disfunções do couro cabeludo, formada pela Associação Brasileira de Tricologia.
Este projeto, que é bastante interessante, juntou as experiências das duas empresas acima citadas, com o intuito de verificar a eficácia de um composto constituído por pó do café verde e um shampoo neutro.
“Já existem no mercado diversos produtos que contêm o café verde destinados, principalmente, para a área da saúde estética e tratamento capilar. Contudo, a nossa atenção ficou voltada, não para o óleo do café verde, propriamente dito, que é extraído diretamente do grão, mas para um produto derivado dele, chamado “torta”, que é muito rico em cafeína e em ácido clorogênico (antioxidante), explica Fernanda Carbinatto.
Foi a partir de estudos realizados com esse produto que as pesquisadoras chegaram à conclusão que poderiam iniciar uma abordagem com o tratamento experimental para combater a calvície feminina (alopecia androgenética), um projeto que será desenvolvido no espaço “K Quadrado”, em São Carlos.
A chamada de voluntárias mulheres para este tratamento não invasivo e aprovado pelo Comité de Ética, consta apenas na aplicação do produto diretamente no couro cabeludo das pacientes por meio da lavagem no local a ser desenvolvido os testes. Serão dez sessões, duas vezes por semana, com a duração de 40 minutos cada sessão, antecedendo-se sempre a análises microscópicas e macroscópicas da região a ser tratada, tendo como objetivo a recuperação dos fios de cabelos que foram acometidos pela disfunção.
EUA - O IMD World Competitiveness Center, que estuda a competição entre países e empresas, acaba de divulgar uma pesquisa sobre a diferença na transformação digital nas duas principais potências mundiais. Os Estados Unidos aparecem no topo do ranking de competitividade digital do IMD pelo quarto ano consecutivo. Segundo o estudo, o sucesso do país é baseado “na prevalência doméstica da tecnologia e confiança das empresas no capital de risco acessível”. Por outro lado, a China, que subiu 15 posições nos últimos quatro anos, se beneficia de grandes níveis de desenvolvimento científico e educacional, P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) e uma participação global líder nas exportações de alta tecnologia.
A pesquisa mostra que os Estados Unidos superam a China em educação, que tem uma participação de 6% no PIB (Produto Interno Bruto) norte-americano, ante 3,5% no país asiático, embora a China esteja no topo do ranking global de alfabetização matemática entre os jovens (os EUA ocupam o 36º lugar). Além disso, os Estados Unidos têm um terço a mais de usuários de internet (per capita) do que a China e têm os níveis mais altos de propriedade de tablets do mundo. Já o gigante asiático lidera o mundo em sua proporção de funcionários técnicos e científicos, que representam 11% do emprego total do país, quase o dobro dos EUA (6%). A China é o país com mais robôs em educação e P&D e tem quase um terço (30%) de todos os robôs do mundo, quase o dobro de seu rival mais próximo, o Japão (14%). Suas exportações de alta tecnologia representam 31% de todas as exportações de manufaturados, contra 19% dos EUA.
Estudo na área da Psicologia convida voluntárias para participar de intervenção remota
SÃO CARLOS/SP - Uma pesquisa da área da Psicologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) está investigando a viabilidade de uma intervenção remota com mães sobre educação positiva de filhos, a fim de fortalecer o vínculo mãe e filho, além de ampliar o conhecimento e as estratégias para lidar com os comportamentos dos filhos. A intervenção proposta pelo estudo busca promover um espaço para que mães falem sobre suas experiências de educação de suas crianças e proporcionar a possibilidade de desenvolvimento de práticas parentais e educação positiva.
"A educação positiva é uma forma de educar que busca equilíbrio, estabelecendo limites firmes e, ao mesmo tempo, incentivando a liberdade e a autonomia da criança. Seu objetivo é educar com foco no afeto, na compreensão, no respeito e no aprendizado mútuo", explica a responsável pela pesquisa Jessica Giovanna Espinoza Tarazona, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGPsi) da UFSCar.
Estudo analisou motivos e identificou que a própria cultura, a legislação brasileira e a falta de comunicação contribuem para que milhões de toneladas de frutas, legumes e verduras sejam jogadas fora todos os anos
SÃO CARLOS/SP - O Brasil, quarto maior produtor mundial de alimentos e apontado como principal exportador do planeta na próxima década, ainda enfrenta sérios desafios relacionados ao desperdício. De acordo com a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), das 140 milhões toneladas produzidas por ano, 26,3 milhões vão para o lixo. No mundo, o desperdício atinge 931 milhões de toneladas de alimentos por ano, seja na produção rural, seja na indústria, no supermercado, em feira livre, restaurantes ou mesmo na casa do consumidor. De acordo com os pesquisadores, caso esse problema não seja resolvido a tempo, o bem-estar das gerações futuras pode estar ameaçado, pois enquanto a população mundial aumenta, o desperdício não diminui. Logo, a segurança alimentar se torna uma questão cada vez mais urgente.
Para apontar ações que possam reduzir o prejuízo, uma pesquisa de doutorado realizada na UFSCar pela professora e pesquisadora Camila Moraes, sob a orientação de Andrea Lago da Silva, docente do Departamento de Engenharia de Produção (DEP), estudou as causas do desperdício de alimentos que ocorre entre fornecedores e supermercados e apontou que a própria cultura e a legislação brasileira, além da falta de comunicação entre diferentes setores da cadeia produtiva, contribuem para que milhões de toneladas de frutas, legumes e verduras sejam jogadas fora todos os anos. Camila Moraes, que desenvolveu sua tese - "Mitigação do desperdício de alimentos: práticas e causas na díade fornecedor-supermercado" - junto ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade, analisou, em sua pesquisa, quatro redes de supermercados de diferentes estados do Brasil e dois fornecedores de cada uma delas, sendo três redes no estado de São Paulo e uma em Santa Catarina. Com base nessa análise, ela mapeou 27 causas do desperdício.
Principais causas do desperdício
O estudo avaliou atividades de distribuição, armazenagem, exibição, manuseio e descarte de frutas, legumes e verduras em lojas e centros de distribuição. "Os supermercados não dizem para os fornecedores quanto eles esperam vender ou mesmo quanto eles costumam vender daquele produto. Essa falta de informação e medição gera problemas gigantescos. Há muita dificuldade em prever a demanda e planejar a produção. Os fornecedores, em geral, acabam se baseando apenas no que venderam de cada alimento, sem saber, de fato, quanto está sendo comprado pelo cliente final", destaca Moraes. Já dentro dos supermercados, uma das situações identificadas é a divergência de dados. Além disso, muitas pessoas que trabalham com o manuseio dos alimentos não o fazem corretamente quando vão limpar ou organizar as gôndolas. "Esses profissionais precisam de treinamento. Muitos não sabem, mas determinadas frutas e legumes quando ficam próximos demais têm seu processo de maturação acelerado. Faltam embalagens e transporte adequados, e muitas vezes refrigeração", ressalta.
Os padrões rígidos de aparência e forma de frutas, legumes e verduras impostos pelos supermercados também influenciam diretamente no desperdício dos fornecedores. De acordo com a pesquisa, a própria cultura do consumidor brasileiro, como apertar os alimentos na hora da compra e exigir uma estética perfeita, também contribui para a alta quantidade de alimentos que vão para o lixo. "Embora os alimentos sejam desperdiçados em todos os estágios da cadeia, suas causas não ocorrem necessariamente no mesmo estágio que o próprio desperdício. De acordo com a pesquisa, quando o desperdício aparece nos elos finais, isso indica que, provavelmente, todos os processos anteriores também tiveram perdas", explica a pesquisadora.
Do total de alimentos desperdiçados todos os dias no país, 40%, ocorre na distribuição após o processamento, sendo que o varejo é responsável por 12% desse total. Segundo a Associação Brasileira de Supermercados, os principais motivos do desperdício para produtos perecíveis são validade vencida (36,9%), impropriedade para venda (30%), avaria dos produtos (18,2%) e danos em equipamentos (4,8%), seguidos de furto externo (19,8%) e erros de inventário (13,5%). Entretanto, Moraes ressalta que a taxa de 12% não reflete a realidade, pois o varejo centra suas ações na redução do seu próprio desperdício, transferindo custos para outros elos da cadeia.
"A pesquisa identificou um comportamento individualista dos supermercados. Devido ao seu grande poder de mercado, o setor empurra o desperdício. Ou o supermercado faz uma promoção para o consumidor ou ele pede para devolver o produto", explica.
Além de identificar as causas do desperdício, a pesquisa realizada na UFSCar ainda analisou quais são as barreiras que impedem que o cenário seja alterado. E um dos principais obstáculos é a própria legislação brasileira sobre doação de alimentos. "É um fator que gera receio em algumas redes de supermercados, dificultando o trabalho de doação que poderia evitar que o alimento fosse para o lixo. Órgãos como Procon e Anvisa têm critérios rígidos e, muitas vezes, divergentes entre si. Faltam incentivos fiscais e governamentais para a realização de doações e compostagem, por exemplo. Se o que não fosse vendido no supermercado, que não é pouco, fosse para doação, a gente começaria a ter uma mudança no panorama da fome no Brasil", lembra a pesquisadora.
Os aspectos culturais também foram caracterizados como barreiras. Pesquisadora da área de Cadeia de Suprimentos há 30 anos, a docente da UFSCar Andrea Lago da Silva ressalta que o próprio comportamento do consumidor brasileiro gera um alto volume de desperdício. "É uma questão cultural. Crescemos acreditando que precisamos ter a mesa farta e abundante, que muitas vezes gera sobra e desperdícios, e preferimos, de modo geral, comprar alimentos perfeitos, sem defeitos. Essa tendência aumenta o desperdício. Até 15% das frutas, legumes e verduras produzidas são desperdiçadas no varejo", comenta Silva.
Desafios e perspectivas
O desperdício de alimentos no Brasil gera impactos sociais, econômicos e ambientais, por exemplo, com a emissão de gases do efeito estufa durante a produção de um alimento que não é consumido e vai para o lixo. A professora do DEP lembra que, quando o alimento é jogado fora, os recursos naturais e da sociedade não são recuperados. Explica ainda que a troca de informações com fornecedores, previsão de demanda mais precisa, treinamentos e o acesso à tecnologia podem ajudar a criar ações que diminuam o desperdício. Incentivos à redução do desperdício nos restaurantes e lares também são uma ação relevante.
De acordo com a pesquisa da UFSCar, o baixo estímulo à cooperação entre os elos da cadeia e empresas é uma das principais barreiras para adoção das práticas de redução do desperdício, principalmente quando dependem da ação em conjunto. Para Silva, o início da solução desse problema está nos supermercados, que são o centro do sistema alimentar moderno e têm o poder de ensinar as pessoas a pensarem diferente, atingindo tanto o público consumidor quanto os fornecedores. "O desperdício é um problema complexo, do qual as práticas para mitigação devem seguir uma visão sistêmica e integrada. Devido ao seu grande poder de mercado e à possibilidade de influenciar as decisões na cadeia de suprimentos, os supermercados podem disseminar inovações e informações, exercendo também um papel de coordenador desse processo e importante elo de comunicação", afirma.
O combate também deve passar pelo treinamento de funcionários do varejo para a redução do desperdício nas atividades ligadas a frutas, legumes e verduras. Ainda de acordo com a docente, supermercados que contam com nutricionistas e outros profissionais que usam alimentos que já estão machucados, porém continuam saudáveis, para criar produtos, como sucos e compotas na própria loja, desperdiçam bem menos. "Uma cenoura machucada, por exemplo, continua com todos os seus nutrientes, apesar de estar feia", lembra Silva. De acordo com a tese de doutorado da UFSCar, o varejo brasileiro (em especial, as redes de grande e médio portes) dispõe de acesso a pesquisas, metodologias, tecnologias e bons exemplos de trabalhos desenvolvidos no que diz respeito à redução do desperdício. Porém, as práticas que necessitam de maiores investimentos dependem diretamente do interesse desses agentes, que preconizam o retorno financeiro imediato, mais do que a redução.
Para Camila Moraes, a atenção do público sobre a dimensão ética do desperdício de alimentos pressiona cada vez mais as empresas a mostrarem seus esforços de redução, sob uma perspectiva de responsabilidade social. "As descobertas do estudo podem ajudar os gerentes a identificarem e mapearem as causas do desperdício de alimentos em suas operações, bem como analisar quais as melhores práticas de redução de acordo com as particularidades de cada organização", defende. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), ressaltam a urgência de padrões de produção e consumo sustentáveis e a necessidade de reduzir pela metade o desperdício de alimentos no nível de varejo e consumidor, além de reduzir as perdas ao longo da cadeia de produção e fornecimento.
Em 2050, a população mundial deve ultrapassar os 9,5 bilhões de habitantes. Esse aumento criará um desafio para atender à demanda estimada de alimentos. O Brasil tem capacidade para expandir sua produção em 41%, enquanto os Estados Unidos em apenas 10%, União Europeia em 12% e China em 15%, de acordo com levantamento da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Isso pode ser visto como uma oportunidade do ponto de vista político-econômico.
No Departamento de Engenharia de Produção da UFSCar, outras pesquisas são desenvolvidas para analisar o desperdício de alimentos. Para o futuro, a professora Andrea Lago da Silva acredita que inovações tecnológicas direcionadas ao rastreio de produtos, compartilhamento de dados, embalagens, além de uma discussão sobre o conceito de prazo de validade também podem ajudar a enfrentar o desperdício. "Desde já, precisamos ter a consciência e mudar o comportamento dentro de casa. Quando for jogar um alimento fora, se questione se não daria para fazer outra receita com ele. Temos que buscar alternativas", ressalta.
* O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº 2017/00763-5, do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Brasil (305819/2016-0) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), código de financiamento 001
Pesquisa envolveu revisão sistemática e metanálise de 134 estudos, envolvendo 46.978 crianças
SÃO CARLOS/SP - Uma pesquisa liderada pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) acaba de gerar um dado inédito e preocupante: a prevalência de 33% de anemia ferropriva (por falta de ferro) em crianças brasileiras de zero a sete anos (ou seja, 1/3 das crianças do País). Este é o maior levantamento já publicado sobre anemia ferropriva em idade pediátrica no Brasil.
A análise, coordenada por Carlos Alberto Nogueira-de-Almeida, docente do Departamento de Medicina (DMed) da Instituição, levou em consideração 134 estudos anteriores (publicações), envolvendo 46.978 crianças, divulgados de 2007 a 2020.
No Brasil, estima-se que 90% dos casos de anemia são por falta de ferro, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a doença como um indicador de pobreza de nutrição e de saúde, que compromete a qualidade de vida e contribui para a mortalidade infantil.
"No nível populacional, uma prevalência de anemia maior que 4,9% é considerada uma importante questão de saúde pública; quando há prevalência superior a 40%, é classificada como grave problema de saúde pública", informa Nogueira-de-Almeida.
Os dados por regiões brasileiras também não mostram diferenças significativas entre elas. "A diferença entre as regiões foi menor do que esperávamos; mesmo nas regiões mais ricas do País - Sul e Sudeste -, a prevalência é alta. Estamos diante de um quadro preocupante, tendo em vista que o Brasil é um país em desenvolvimento, mas não de extrema miséria", analisa Nogueira-de-Almeida.
Além disso, os resultados não sugerem uma tendência temporal da doença (maior ou menor prevalência com o passar dos anos). O pesquisador da UFSCar explica que o dado é importante ao considerarmos que o Brasil vem adotando ações para prevenir e controlar a anemia, como a criação, em 2015, da Estratégia de Fortificação da Alimentação Infantil com Micronutrientes (vitaminas e minerais) - NutriSUS.
"As curvas dos gráficos obtidos na pesquisa comprovam que a prevalência da anemia se mantém estável de 2007 para cá, sem aumentar ou diminuir. Isso significa que as iniciativas para controle da doença parecem não ter tido impacto, o que também nos causa preocupação", registra.
Causas, desafios e ações
A partir dos resultados obtidos, Nogueira-de-Almeida lista diversas hipóteses que podem explicar o fato de a prevalência de anemia ferropriva no Brasil ser tão alta: elevado índice de mães com anemia, o que acarreta passagem de quantidade insuficiente de ferro para a placenta e, depois, ao amamentar, que o leite seja mais pobre; baixo índice de aleitamento materno, algo que faria a criança já ter reserva de ferro; e recebimento de fórmula infantil e, posteriormente, alimentação inadequadas.
"Muitas vezes, as crianças que não recebem leite materno acabam consumindo leite de vaca antes de um ano, idade imprópria para isso. Além de não ter ferro, este leite ajuda a perdê-lo do organismo, já que provoca pequenas hemorragias na mucosa intestinal e o seu cálcio também acaba levando o ferro para as fezes", esclarece o docente.
A alimentação complementar, introduzida a partir dos seis meses, pode também ocasionar anemia. "Não temos hábito de usar cereais fortificados, por exemplo. Muitas famílias utilizam uma alimentação com base na farinha de fubá e outros ingredientes caseiros, que não contêm ferro."
Além disso, quando a criança cresce, o ideal é consumir ferro de origem animal, proveniente das carnes, algo que também não ocorre com frequência. "As carnes no Brasil possuem altos custos e o seu consumo é baixo. O ferro na alimentação da criança brasileira acaba vindo muito dos vegetais, do feijão. É importante, mas é um ferro que o corpo humano não aproveita tão bem quanto o da carne", analisa.
Segundo o pesquisador, uma criança com baixos índices de ferro e considerada anêmica pode ter muitos prejuízos, como falta de disposição para brincar e isolamento; déficit de aprendizado e prejuízos para o desenvolvimento intelectual; além de prejuízo imunológico. "Crianças com anemia têm maior probabilidade de desenvolver outras doenças na forma mais grave; uma pneumonia em criança não anêmica, por exemplo, costuma ser muito mais branda do que em uma anêmica."
Por isso, os dados alarmantes são essenciais para se pensar em políticas públicas nacionais, que consigam diminuir esses índices de prevalência. "A anemia não se resolve com estratégias individuais. Algumas ações urgentes consistem na criação e no fortalecimento de políticas públicas - de distribuição de renda, para se obter recursos para compra de alimentos fortificados em ferro; e de educação nutricional, para fomentar uma conscientização sobre a importância dos alimentos, seus nutrientes e vitaminas, que muitas famílias não têm", sintetiza o pesquisador.
Além disso, são imprescindíveis ações de saúde, como, por exemplo, disponibilizar pré-natal gratuito e de boa qualidade às mães sem condições financeiras e estimular o aleitamento materno sempre que possível, por meio de campanhas de conscientização e disseminação de conhecimento.
"As crianças brasileiras passam por riscos de danos à saúde física e psicossocial. Há uma urgente necessidade de o governo brasileiro entender essa urgência e implementar estratégias que sejam realmente adequadas de saúde pública", finaliza o docente da UFSCar.
Metodologias
O pesquisador explica que o diferencial do estudo para a obtenção dos resultados inéditos foi a combinação de duas metodologias: a revisão sistemática e a metanálise, essenciais para a confiabilidade do dado final.
Na revisão sistemática, foi feita a análise de publicações científicas de qualidade. "Nesta etapa, revisamos mais de mil publicações científicas, que tentaram medir a prevalência de anemia ferropriva em crianças em âmbito local. A metodologia permitiu que selecionássemos apenas trabalhos considerados de excelente qualidade, de acordo com parâmetros científicos pré-existentes - como serem de instituições consideradas confiáveis, com estatísticas validadas, dentre outros fatores", exemplifica o docente.
Ao chegar na seleção de 134 estudos, a pesquisa partiu para o segundo passo, a metanálise, metodologia estatística de extrema complexidade, que realiza ponderações de acordo com os dados obtidos.
"Cada estudo traz a sua especificidade: alguns analisaram 100 crianças; outros, 2.000. Em alguns casos, foram crianças de São Paulo; em outros, de Sergipe, que tem uma população infinitamente menor. Além disso, cada trabalho analisou uma determinada faixa etária específica de crianças. Ou seja, foi preciso levar em consideração cada umas dessas variáveis, e não simplesmente fazer uma média dos números. Com a metanálise, trabalhamos os dados em uma ferramenta complexa e informatizada de estatística, conseguindo dados extremamente confiáveis de prevalência da doença em âmbito nacional", detalha o pesquisador.
Os resultados do estudo - intitulado "Prevalence of childhood anemia in Brazil: still a serious health problem. A systematic review and meta-analysis" - foram publicados em julho de 2021, na revista Public Health Nutrition, da Cambridge University Press, e pode ser acessado em https://bit.ly/3jkQjfG.
Assinam o artigo, além de Nogueira-de-Almeida, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ) e profissionais da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) - Fábio da Veiga Ued, Luiz Antonio Del Ciampo, Edson Zangiacomi Martinez, Ivan Savioli Ferraz, Andrea Aparecida Contini, Franciele Carolina Soares da Cruz, Raquel Farias Barreto Silva, Maria Eduarda Nogueira-de-Almeida e Joel Alves Lamounier.
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